Parlez-vous allemand?


Parlez-vous français?” – se colocada a um jovem português, a resposta a esta pergunta será certamente “Oui, un petit peu”. A prevalência do Francês como segunda língua estrangeira ensinada em Portugal é enorme, quase hegemónica: não há escola do terceiro ciclo do ensino básico que não ofereça Francês no leque de opções para a disciplina de Língua Estrangeira II – e a maior parte só oferece esta língua, sem qualquer outra alternativa.

Não há justificação plausível nem interesse em formar na língua francesa a esmagadora maioria dos mais de cento e cinquenta mil alunos que frequentam o 3º ciclo. Embora o Francês deva continuar sendo ensinado em Portugal, o seu ensino deve coexistir de facto (e não apenas no papel) com outras línguas mais importantes, mais relevantes e mais interessantes.

O Alemão, por exemplo. O Alemão é a língua mais falada na Europa: para além da Alemanha, é falada na Áustria, no Liechtenstein, no Luxemburgo (sob a forma de dialecto luxemburguês) e na maior parte da Suíça; é ainda falada por minorias na Itália, na Bélgica, na Polónia e em outros países europeus. Se se somarem às pessoas que têm no Alemão a sua língua-mãe aquelas que o aprenderam e o usam como língua alternativa, ainda assim o Alemão é a segunda língua mais falada na Europa (perdendo apenas para o Inglês).

A importância económica do alemão é também capital: a Alemanha é a maior potência económica europeia e o segundo parceiro económico de Portugal, logo a seguir à Espanha. Naturalmente que à importância económica germânica acrescem as trocas comerciais que Portugal faz com os restantes países germanófonos.

Do ponto de vista linguístico, o Alemão é uma língua extremamente interessante. Com uma gramática substancialmente diferente da portuguesa (e das restantes línguas latinas), o Alemão introduz conceitos já desaparecidos no Português, mas ainda assim importantes para a sua completa compreensão – por exemplo, os casos gramaticais e as declinações. Neste aspecto, o Alemão pode ainda servir de preparação para a aprendizagem posterior de outras línguas germânicas ou eslavas.

O critério económico, ao qual acresce o geográfico, impõe também o reforço do ensino do Espanhol. Espanha é o único país com o qual Portugal partilha fronteiras e é o maior parceiro económico português. Portugal e Espanha estão umbilicalmente ligados na história e na cultura. Temos la mania que sabemos hablar español, bastando para eso poner unas palabritas en el médio de nuestro portugués y hablando con sotaque, mas – assim – apenas faremos figuras tristes. E, em ambiente profissional, não há lugar para figuras tristes.

Urge, portanto, diminuir drasticamente a importância relativa do Francês no sistema de ensino português. Um país falido não se pode dar ao luxo de ensinar uma língua aos seus jovens sem saber muito bem porque a ensina. Sabemos porque devíamos aprender Alemão; sabemos porque devíamos aprender Espanhol; mas não sabemos porque aprendemos Francês – a não ser para responder “Non, je ne parle pas…” quando alguém nos pergunta “Parlez-vous allemand?”; mas mais útil seria dizer “Ja, ich spreche Deutsch”.

Mentiras a grande velocidade

Não obstante estarmos praticamente falidos, começamos a deslocar homens, máquinas e recursos para o Alentejo, por onde vamos iniciar a construção da nossa rede ferroviária de alta velocidade. A linha Lisboa ↔ Elvas deverá estar pronta daqui dois anos, em 2013. Seguem-se-lhe as linhas Porto ↔ Vigo (em 2015) e Lisboa ↔ Porto (em 2017). Para mais tarde, ficarão as linhas Aveiro ↔ Vilar Formoso e Évora ↔ Faro ↔ Vila Real de Sto. António.

Prevê a Rave, no seu sítio oficial, gastar quase dez mil milhões de euros, só nas três primeiras linhas. Dez mil milhões de euros… são mil euros por cada português, por cada homem, mulher, criança, bebé acabado de nascer, velhote inválido quase a morrer. Justificam os governos socialistas deste país tal desbundança de dinheiro com a necessidade de “ligar Portugal à Europa” e de “evitar o isolamento”.

Este é mais um caso em que uma mentira, se repetida muitas vezes, é aceite como verdade. Mas não deixa de ser mentira!

Logo à partida, é preciso recalibrar o conceito de alta velocidade; o poder político sempre se esforçou por impingir a ideia de que alta velocidade são 300 Km⁄h; ou mais... Contudo, 300 Km⁄h é apenas a velocidade máxima, a alcançar em trajectos seleccionados. Seja pela dificuldade tecnológica (e custo inerente) de construção de via homologada para tal velocidade, seja pelas condições específicas de tráfego, a maior parte dos trajectos serão cumpridos a velocidades inferiores. Acrescem ainda os períodos de redução, à aproximação das estações intermédias, e de aceleração, à saída. Por exemplo, a Rave promete que a viagem Lisboa ↔ Madrid (cerca de 600 Km) dure 2h45m… o que dá uma velocidade média de cerca de 220 Km⁄h. A viagem Porto ↔ Vigo (cerca de 150 Km) é anunciada para uma hora de duração… o que dá uma velocidade média de 150 Km⁄h. Portanto, esta é a primeira mentira: a alta velocidade é, na realidade, pouco mais do que temos agora, antes de derretidos os tais dez mil milhões de euros. Mas há mais.

Para ligar Portugal à Europa em alta velocidade é preciso, claro está, linhas de alta velocidade – que não existem. A LGV Atlantique sai de Paris e termina em Tours; daí para a frente, o TGV segue em via convencional, até à fronteira com a Espanha – um buraco de quase 600 Km. É certo que os franceses pretendem prolongar a LGV Atlantique até Bordéus em 2016, mas, ainda assim, faltará o troço final até à fronteira – mais de 200 Km, sobre os quais nada se sabe. Do lado espanhol, a linha terminará em San Sebastián, também nada se sabendo dos últimos e terríveis 20 Km até à fronteira, no terreno montanhoso dos Pirinéus. Portanto, numa hipotética ligação Lisboa ↔ Paris, cerca de um terço da viagem será feita a baixa velocidade. Esta é a segunda mentira: não obstante o dispêndio de dez mil milhões de euros, Portugal apenas se poderá ligar à Europa por alta velocidade quando espanhóis e franceses decidirem. Mas ainda não acabou.

Inúmeros estudos internacionais, suportados pela realidade de países que já têm ligações ferroviárias de alta velocidade, provam que o TGV não é capaz de competir com o transporte aéreo em trajectos de duração superior a quatro ou cinco horas de viagem (cerca de 1000 Km). Existe, inclusivamente, uma fórmula que permite determinar a quota de mercado do comboio, em face do tempo necessário para cumprir um dado percurso. Ficamos então a saber que a quota de mercado do TGV, na ligação Lisboa ↔ Barcelona, será de cerca de 10%… os restantes 90% continuarão a viajar de avião; para Lisboa ↔ Paris, a previsão é de cerca de 3%… 97% do tráfego preferirá o avião. Para cidades ainda mais distantes, como Bruxelas, Frankfurt ou Berlim, o mercado que a ferrovia de alta velocidade conseguirá angariar é meramente residual, inferior a 1%. Esta é, portanto, a terceira mentira: mesmo depois de construído o TGV e desbaratinados dez mil milhões de euros, Portugal ligar-se-á à Europa da mesma maneira que agora – de avião.

Não sei a quem possa interessar tanta mentira… sei, contudo, a quem não interessa o TGV: aos portugueses.